quarta-feira, fevereiro 22, 2006

A OPA hostil

"Felizmente, o presidente do Irão já veio garantir que o Holocausto nunca existiu. Sustentar o contrário é uma grave ofensa para o Islão radical e para o Irão tal e qual. É abalar com perfídia o objectivo de destruição de Israel a que ambos aspiram em nome do profeta.

O Ocidente, as democracias europeias, os intelectuais decadentes, os analfabetos políticos, alguns cineastas perversos, têm gasto inúteis rios de tinta com o Holocausto. Ora é sabido que não houve Holocausto nenhum. O que houve foi uma vaga de frio na Europa em guerra da primeira metade dos anos quarenta e um benemérito chamado Adolfo que mandou preparar sistemas de aquecimento central, lateral e colateral para nada menos de seis milhões de judeus desprotegidos.

Estes ineptos sequazes de Jeová, na imperícia que etnicamente os tem caracterizado desde os tempos de Moisés, não souberam lidar com os sofisticados dispositivos da tecnologia alemã e por isso ficaram deveras chamuscados, situação que foi logo ignobilmente aproveitada pelo eixo do mal da propaganda norte-americana e do imperialismo sionista.

O embaixador do Irão em Lisboa abunda neste mais do que justo fundamentalismo furibundo da sua entidade patronal. E a Europa das grosseiras liberdades lá ficará outra vez esverdinhada de vil ignomínia, a não ser que algum dirigente a venha redimir, na sua prudente sabedoria, pedindo desculpas colectivas ao Islão e ao Irão por alguma vez se ter ousado falar do Holocausto onde se devia ter referido a péssima utilização do microondas. Oxalá. Quero dizer, Inch'Allah.

A consciência musculada da culpa já conseguiu transformar-nos em digno bode expiatório dos actos de um asqueroso caricaturista dinamarquês. Há portugueses de lei que souberam dar novas culpas à culpa, tal como os portugueses de antanho foram capazes de dar novos mundos ao mundo.

Desgraçadamente, Portugal preza o leitão da Bairrada, o salpicão de Vinhais, o presunto de Lamego e de Chaves, a feijoada com tripas, a carne de porco à alentejana. Entre a sarrabulhada e o toucinho entremeado, Portugal vive de mastigar e deglutir o animal imundo cozinhado de cento e tantas maneiras, refocilando-se, suinicida e torpe, numa permanente ofensa às barbas sacrossantas do profeta. E não contente com a transgressão desse interdito, Portugal gosta da boa pinga em todas as suas modalidades fermentadas de verde e de maduro, de branco e de tinto, de licoroso e de rosé, de conhaques, bagaceiras e cervejas.

Mas Portugal prevarica muito mais. Defende o Estado de Direito, a democracia representativa, os direitos fundamentais, entre eles a liberdade de pensamento e de crença, a liberdade de expressão e de costumes, a igualdade total entre homens e mulheres, o pleno direito dos gays à sua opção sexual, sem contar que aceita a licitude da representação da figura humana, enfim, toda uma série de princípios, comportamentos e pecados nefandos para os quais, islamicamente falando, o castigo justo é a lapidação pela inflamada sanha popular ou o implacável faiscar das cimitarras sobre as nucas vergadas dos infiéis.

Pois não será sem tempo. Para já, repito, Portugal obstina-se com escândalo numa permanente ofensa ao Islão. Os Afonsos hirsutos e os Sanchos broncos da primeira dinastia mais não fizeram do que expandir o território à custa do dito. Bem no sabe qualquer biógrafo do nauseabundo D. Afonso Henriques. Nem se percebe que Freitas do Amaral tenha a ingenuidade malsã de considerar que "o Rei de Portugal não foi mais brutal com os sarracenos do que estes com os cristãos" (D. Afonso Henriques, p. 192), nem que afirme, para justificar o que, afinal, é injustificável, que "o interesse vital dos portugueses, no século XII, era conquistar a independência a norte, e expulsar do território o invasor árabe, a sul" (p. 193).

De Santarém aos Algarves, Portugal não tem qualquer razão de existir. As Cruzadas foram uma agressão repelente e Lisboa foi conquistada aos Mouros com o auxílio dos Cruzados. Para esse fim foi constituída "uma poderosa coligação internacional, de cariz europeu"; e até nisso ocorria, - ó atávica fatalidade! - "a modernização tecnológica, trazida pela 'Europa connosco'!" (Amaral dixit, a pp. 134 e 135).Felizmente, é de supor que o Governo já esteja a tomar as necessárias providências e tencione lançar uma OPA hostil e tremenda sobre Lisboa para devolver a princesa do Tejo aos árabes espoliados. Já, na passada do engenheiro Belmiro. "

Vasco Graça Moura
vgm@mail.telepac.pt
Escritor, professor universitário

[Diogo Duarte Campos]