quarta-feira, março 29, 2006

Do que o CDS precisa

1. Votei contra ele no congresso do ano passado, mas hoje entendo que o líder do CDS merece ser apoiado. A tarefa de suceder a Paulo Portas seria sempre muito difícil, e sou obrigado a fazer um balanço positivo da forma como ele a tem desempenhado. À evidência constante do líder anterior ele contrapôs uma placidez que, se é certo que instala um nervosismo evidente nos mais habituados à manipulação diária da "agenda política", não deixa por isso de ser mais adequada a esta fase de prolongada oposição que se abriu para o centro-direita em Portugal. Iniciou o seu mandato com duas emergências, as eleições autárquicas e as eleições presidenciais, e, se numa é injusto criticá-lo, na outra é obrigatório elogiá-lo. Na transição ninguém fez uma autocrítica sobre o estado pavoroso em que lhe foi entregue o dossier autárquico, e ele arrancou para assunto como se tudo estivesse dentro da normalidade, o que de resto ninguém lhe agradeceu. E no que toca à eleição de Cavaco Silva ele tirou o CDS da marginalidade e transformou-o num apoiante que os resultados vieram a mostrar indispensável. Identificou o partido com o interesse nacional, e isso, para quem é de direita, não devia ser de todo irrelevante.Tudo isto me parece aliás evidente. O que coloca uma interrogação obrigatória sobre a natureza da crise que assalta o meu partido. Terá Ribeiro e Castro razão quando anuncia que o CDS tem no seu interior um problema político? Do meu ponto de vista não é isso que acontece. Apetece-me mesmo dizer: antes fosse! Nada que não se resolvesse com a discussão política interna. Mas os problemas que o CDS vive são de outro tipo, infelizmente. E de solução bem difícil e prolongada - que passa por uma mudança da sua estrutura, dos seus métodos, das suas regras internas de prémio e castigo, e sobretudo por uma abertura aos que nele se revêem. Em suma, pela capacidade de ultrapassar o seu extremo aparelhismo, que apenas produziu um partido de generais com muito poucas tropas, e onde cada um só trabalha para si a para a sua carreira. Sobre essa situação, sim, parece-me que a discussão é urgente. Ao invés, um congresso marcado pelo confronto mais ou menos assumido entre a direcção e o grupo parlamentar seria a prazo muito negativo para o partido no seu todo, e talvez não produzisse nenhuma clarificação útil. É claro que os deputados estão lá porque estavam absolutamente sintonizados com o estilo e a acção de Paulo Portas, e a abertura de um novo ciclo sempre esteve condicionada por esse facto (e ainda mais, se ele permanece entre eles). Essa foi de resto a principal razão por que apoiei a candidatura de Telmo Correia. Mas isso obriga toda a gente a um esforço de concertação, porque as coisas são o que são. Até porque basta ir acompanhando a (excelente) prestação de Nuno Melo - por exemplo - para perceber que o CDS só tem a ganhar com uma maior colaboração entre a direcção que o partido escolher e os deputados que o representam no Parlamento.

2. O CDS precisa pois de um congresso marcado por uma agenda diferente da simples luta interna pelo poder. Ela está em curso e é um facto porventura inevitável, mas do que o partido verdadeiramente carece é de uma reforma total. E esta é a melhor altura para a encetar. Estão encerradas as emergências a que havia que dar resposta, e a era de estabilidade que se iniciou deve ser também aproveitada pelas oposições. No caso do CDS, ele deve ir para o estaleiro, que bem precisa. Se esse processo precisar de um longo período de debate, de consciencialização, de mobilização interna para a mudança (um ano, por exemplo), não virá daí nenhum mal ao mundo, pelo contrário. Se em 2007 os estatutos forem outros, e se a sociedade olhar para o CDS e vir um partido que soube fazer mea culpa e adaptar-se às necessidades de uma política diferente, mais credível e aberta, talvez as eleições de 2009 (legislativas e autárquicas) possam ser encaradas de forma mais ambiciosa.Talvez então o CDS deixe de ser o "partido exíguo", de que falava Adriano Moreira, quando o liderava. Os problemas são antigos, e a primeira direcção que os encarar de frente é bem capaz de fazer por si e pela instituição muito mais do que sobreviver à espera do próximo falhanço. Não quero com isto dizer que deva a ser a direcção a tomar sobre si a responsabilidade da tarefa. Não, se me parece óbvio que deve ser ela a tomar a iniciativa, também me parece evidente a obrigação do envolvimento de todos os outros. É por isso que um congresso é uma oportunidade a não desperdiçar. A mudança a fazer é algo que deve obedecer a um mandato de uma reunião magna, e o resultado só por uma equivalente deve ser posteriormente aprovado. E isso é algo que a direcção pode propor já neste congresso, no que daria prova de dominar por inteiro a agenda do mesmo e da vitória que procura. Só que esta vitória seria obtida em nome de todos e seria obtida num palco que ultrapassaria o espaço restrito dos congressistas e do próprio partido.

Dominar a agenda do congresso é, de resto, a primeira tarefa de quem o convoca. Se isso não acontecer, os riscos ameaçam mais do que a direcção, porque incidem sobre o próprio destino do partido. Dir-se-á que nem tudo depende da vontade da direcção, porque ela está a responder a contingências que não tiveram origem em si. Mas se finalmente tomou a iniciativa, então que o faça em função de objectivos que porventura a poderiam ter mobilizado, mesmo que não tivesse nenhuma oposição interna a pressioná-la. Se isso não acontecer, todas as especulações terão curso livre, e o prejuízo será nesse caso também para todos. Dir-se-á que a direcção quis apenas ganhar um ano na corrida para 2009. Ou que se instalou um conflito entre a tentativa de afirmação de um novo ciclo e a resistência cada vez mais assumida de Paulo Portas. Ora essa é uma guerra que dificilmente alguém ganhará, mas que todos se arriscam a perder. É também por isso que vale a penL centrar a discussão na reorganização partidária. É que num partido revigorado e mais participado ficam muito mais difíceis as tentações de tutela dos líderes que já não o são. Engenheiro Civil

P.S. - Com o falso regresso da regionalização o PS arranjou para 2009 um problema de que se vai arrepender. Misturar a disciplina que quer impor na desconcentração da administração central com a preparação de uma regionalização por facto consumado é uma habilidadezinha tão canhestra que nem a pena do dr. Vital Moreira consegue disfarçar. O PS está a transformar a campanha de 2009 na reedição do referendo, e desconfio que num risco que não vai querer assumir. Por mim o CDS proporá simplesmente o retirar do modelo consagrado na Constituição. É mais honesto e mais consentâneo com a vontade popular.

Manuel Queiró

In Público (versão papel)

[Diogo Duarte Campos]